Resposta para a série "Papa Francisco em Retrospectiva" de Lorenzo Lazarotto - Parte 1
1) Minuto 1:51 "Na sua primeira aparição pública, o Papa Francisco fez um breve discurso no qual ele não mencionou nesse discurso a palavra papa, assim como Bento 16 falava muito do ministério petrino, Francisco refere-se ao seu cargo como o bispo de Roma".
Apesar do vídeo ter somente citado isso, é provável que ele quis implicar que os últimos dois papas (Bento XVI e Francisco) eram de algum modo retraídos ao título de "papa".
Um exemplo relativamente simples para contrapor essa visão é a nomeação do "Apostolado da Oração" em 2016 para "Rede Mundial de Oração do Papa", sendo seus estatutos definidos por ele mesmo. Se o papa tinha uma rejeição pertinaz para o título, é estranho ele ter adicionado um nome ao apostolado com ele.
Além disso, dizer "Bispo de Roma" (lembre-se, Francisco sempre utilizou os dois termos) não é uma redução da ênfase autoritativa do cargo papal. O Vaticano I utiliza o termo "Romano Pontífice" ao invés de "papa". (Francisco também já utilizou o termo).
O uso de "ministério petrino" por parte de Bento XVI também é adequado. O papa é o sucessor do apóstolo Pedro, que possui as prerrogativas dadas por Nosso Senhor Jesus Cristo em Mateus 16, Lucas 22, etc.
2) Minuto 2:10 "e antes de abençoar o povo, ele pediu que o povo o abençoasse e rezasse por ele"
Aqui talvez há uma implicação que o papa pensaria que só exerceria o ministério validamente se tivesse alguma forma de aprovação popular. Há duas coisas a serem consideradas:
1 - O papa já falou em diversas circunstâncias que devemos ser firmes em nossas convicções cristãs - levando até o martírio se necessário - em um ambiente onde as pessoas vão contra a fé. Um exemplo é de 20 de junho de 2024:
Nós devemos ter uma educação de fé, uma educação baseada na fé. Precisamos ser educados para a fé porque isso pode nos ajudar a sermos cristãos autênticos e reais. Você diz que às vezes eles zombam de você. Bem, a questão é esta: os cristãos sempre foram perseguidos desde o início. Então, qual é a tentação aqui? Podemos ser tentados a ter um cristianismo morno, um cristianismo diluído que não tem uma base sólida, mas não é o caso. Precisamos de um cristianismo sólido. Se você for perseguido, deve amá-los, deve aceitar o martírio. Isso faz parte do cristianismo. Sabemos que há muitos mártires cristãos se olharmos para a história.
2 - Há de fato algo simbólico na atitude do papa, mas nada distante de, por exemplo, a Igreja rezar por Pedro quando ele esteve na prisão: "Pedro, pois, era guardado na prisão; mas a igreja orava com insistência a Deus por ele." - Atos 12,5.
3) Minuto 2:56 A frase do papa "Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-lo?" é "escandalosa aos ouvidos pios", "escandalosa, estranha, temerária", não fala "da necessidade de conversão e ruptura com as práticas homossexuais", e "se prestam a esse serviço" [de "lançar as cartas de que este pontificado muda a posição da Igreja em vários aspectos em relação a essas práticas"].
O próprio Lorenzo demonstra que isso não é totalmente verdade ao citar, lembrando de um vídeo do Pe. Paulo Ricardo, a frase inteira do papa.
"Se uma pessoa é gay e procura Deus, tem boa vontade, quem sou eu por caridade para julgá-la? O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem, diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas devem ser integrados na sociedade."
Além disso, qualquer noção cristã de alguém que "procura Deus, tem boa vontade" presume que a pessoa está disposta a abandonar ofensas a Deus (como os atos homossexuais) e cumprir Sua Vontade.
Sobre o pecado, o papa ensina que:
"Afinal, o pecado é dizer e fazer ego. “Quero fazer isto e não me importa se há um limite, se existe um mandamento, nem sequer importa se existe o amor”."
O papa nunca deixou de falar da necessidade do abandono do pecado e da obediência aos mandamentos de Deus. Isso se aplica para todos. Não há uma exceção para homossexuais.
O papa já escreveu o seguinte inclusive em carta ao Pe. James Martin, padre citado posteriormente no vídeo:
"Eu simplesmente me referia ao ensinamento da moral católica, que diz que qualquer ato sexual fora do casamento é pecado".
O ensinamento católico sobre o matrimônio foi reafirmado pelo papa Francisco em diversas situações, sendo uma delas na exortação apostólica Amoris Laetitia, cuja passagem também é citada pelo vídeo.
Se a mídia interpreta frases isoladas do papa como uma possível abertura para uma mudança doutrinal por parte da Igreja, é só uma demonstração de malícia por parte do mass-media que exclui toda a integridade dos ensinamentos do papa na redação de seus artigos e análises.
Além disso, o próprio papa não se utilizava de redes sociais e não via televisão. Grande parte das informações que recebia viam de seus secretários. Não faz sentido dizer que o papa fazia afirmações para serem utilizadas de determinado propósito pela mídia.
4) Minuto 9:30 O favorecimento do papa ao Pe. James Martin demonstra que ele não era zeloso para a transmissão do ensino da Igreja sobre os atos homossexuais.
- Todas as falas do papa ao Pe. James Martin (mostradas no vídeo) nunca desviaram do ensino da Igreja sobre os atos homossexuais, pelo contrário (conferir passagem citada anteriormente); e também nunca aprovou determinadas falas e atitudes do padre.
Eu concordo que o papa não deveria ter nenhum vínculo com o padre - por causa dos escândalos (como a sua defesa do "pride month"), mas discordo que isso implica que o papa tem alguma frouxidão na afirmação da doutrina da Igreja.
- O papa já disse - para bispos em uma audiência específica dobre catequese - que qualquer uma deve estar em conformidade com o Magistério da Igreja:
"A atitude mais estrita, de guardar a fé sem o Magistério da Igreja, leva à ruína. Por favor, nenhuma concessão àqueles que procuram apresentar uma catequese que não esteja de acordo com o Magistério da Igreja."
O papa reafirmou explicitamente no magistério (na polêmica Fiducia Supplicans; passagens não citadas no vídeo) o ensino católico sobre a sexualidade:
"Portanto, são inadmissíveis os ritos e orações que possam criar confusão entre aquilo que constitui o matrimônio — ou seja, “a união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta à geração de filhos”[6] — e aquilo que o contradiz. Esta convicção está enraizada na perene doutrina católica sobre o matrimônio; é somente nesse contexto que as relações sexuais encontram seu significado natural, próprio e plenamente humano. A doutrina da Igreja neste ponto permanece firme." (parágrafo 4)
"Com base nessas considerações, a Nota Explicativa da Congregação para a Doutrina da Fé ao seu Responsum de 2021 recorda que, quando se invoca uma bênção sobre determinadas relações humanas por meio de um rito litúrgico especial, é necessário que aquilo que é abençoado corresponda aos desígnios de Deus inscritos na criação e plenamente revelados por Cristo Senhor. Por esse motivo, uma vez que a Igreja sempre considerou moralmente lícitas apenas as relações sexuais vividas dentro do matrimônio, ela não possui o poder de conferir sua bênção litúrgica quando isso implicaria, de algum modo, conferir uma forma de legitimidade moral a uma união que se pretende matrimônio ou a uma prática sexual extraconjugal. O Santo Padre reiterou a substância desta Declaração em suas Respostas aos Dubia de dois Cardeais." (parágrafo 11)
O papa reafirma - citando o Catecismo - a relação intrínseca entre a sexualidade, o matrimônio (homem e mulher) e a fecundidade na Amoris Laetitia:
"80. O matrimónio é, em primeiro lugar, uma «íntima comunidade da vida e do amor conjugal»,[80]que constitui um bem para os próprios esposos;[81]e a sexualidade «ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher».[82]Por isso, também «os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando».[83]Contudo, esta união está ordenada para a geração «por sua própria natureza».[84]" [...] Desde o início, o amor rejeita qualquer impulso para se fechar em si mesmo, e abre-se a uma fecundidade que o prolonga para além da sua própria existência. Assim nenhum acto sexual dos esposos pode negar este significado,[86]embora, por várias razões, nem sempre possa efectivamente gerar uma nova vida."
Observação: tudo o que foi citado é orientado para todo o clero.
5) 13:55 O papa teria dito que uma pessoa foi criada homossexual por Deus ao alegadamente dizer "[...] que você é gay não importa. Deus te fez assim e te ama assim, e eu não me importo. O Papa te ama assim. Você precisa estar feliz com quem você é"
“Encorajo-vos a encontrar maneiras para que o Catecismo da Igreja Católica possa continuar sendo conhecido, estudado e valorizado, para que dele possam ser extraídas respostas às novas exigências que surgem com o passar das décadas
Não é difícil pensar que a questão abordada é uma "exigência" cuja uma resposta deve ser extraída do catecismo, este que diz o seguinte:
"2357 A homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam uma atracção sexual exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das culturas. A sua génese psíquica continua em grande parte por explicar."
Mesmo presumindo que a frase seja verídica, compartilho os comentários de Ronald L. Conte sobre:
"A expressão “Deus te fez assim”, no sentido de que Deus fez esse homem com uma orientação homossexual, não implica que as pessoas nascem homossexuais. O Pontífice pode ter querido dizer que as experiências da vida desse homem ocorreram sob a providência de Deus e, nesse sentido, Deus o fez ter uma orientação homossexual como parte de seu caráter. Deus não escolheu especificamente que esse homem fosse homossexual, mas, sim, a providência divina julgou conveniente permitir essa desordem por causa do bem que ocorre quando almas fiéis cooperam com a graça para superar as dificuldades desta vida caída.
[...]
E, uma vez que temos livre-arbítrio, ninguém pode dizer que está justificado em praticar atos sexuais homossexuais ou qualquer outro pecado sexual, supostamente porque "Deus o fez assim". Mesmo que Deus tenha permitido uma influência genética, ou permitido a influência de outras pessoas, a pessoa possui o livre-arbítrio e, portanto, pode escolher cooperar com a graça e, assim, evitar cometer pecados sexuais."
6) A Fiducia Supplicans teria permitido, pelo menos na prática, bençãos para uniões do mesmo sexo
O documento reprova bençãos para uniões do mesmo sexo, como explicado pelo comunicado para a mídia escrito pelo Cardeal Fernández:
"Alguns Bispos, todavia, exprimem-se em modo particular a respeito de um aspecto prático: as possíveis bênçãos de casais em situação irregular. A Declaração contém a proposta de breves e simples bênçãos pastorais (não litúrgicas, nem ritualizadas) de casais irregulares (não das uniões), sublinhando que se trata de bênçãos sem forma litúrgica, que não aprovam nem justificam a situação em que se encontram essas pessoas."
A declaração é explicita nisso nos seguintes pontos:
"Esta Declaração mantém-se firme na doutrina tradicional da Igreja sobre o matrimônio, não permitindo nenhum tipo de rito litúrgico ou bênção semelhante a um rito litúrgico que possa gerar confusão." (Apresentação)
"Em tais casos, pode ser concedida uma bênção que não só tenha um valor ascendente, mas também envolva a invocação de uma bênção que desce de Deus sobre aqueles que – reconhecendo-se destituídos e necessitados de Sua ajuda – não reivindicam a legitimação de sua própria condição, mas imploram que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido em suas vidas e em seus relacionamentos seja enriquecido, curado e elevado pela presença do Espírito Santo." (Parágrafo 31)
"Em todo caso, precisamente para evitar qualquer forma de confusão ou escândalo, quando a oração de bênção for solicitada por um casal em situação irregular, mesmo que seja expressa fora dos ritos prescritos pelos livros litúrgicos, essa bênção nunca deve ser concedida concomitantemente às cerimônias de união civil, nem mesmo em conexão com elas. Tampouco pode ser realizada com roupas, gestos ou palavras próprias de um casamento. O mesmo se aplica quando a bênção é solicitada por um casal do mesmo sexo." (Parágrafo 39)
Complemento os comentários de Dom Luiz Catelan - que conhece pessoalmente o cardeal Fernández -, que afirmam que a benção é caráter individual:
"O pessoal critica [o cardeal Fernández] por causa de um dos documentos recentes da Congregação do Dicastério, que foi querido explicitamente pelo Papa. Ele cumpriu a tarefa de preparar a publicação daquele documento, inclusive com tempo muito rápido — veja que o documento último que foi publicado demorou 5 anos para ser publicado, mas aquele, o Papa Francisco especificamente queria de modo mais veloz, queria com pouquinho tempo, saiu e deu bastante repercussões.
O próprio cardeal teve que dar entrevistas — é a questão das bênçãos, estamos falando. Por fim, o Papa foi na Congregação — no Dicastério (eu ainda fico falando Congregação) — foi no Dicastério em janeiro, como todo ano tem uma plenária, uma reunião plenária. O Papa recebe, e esse ano o último, penúltimo... o último é de despedida. Penúltimo parágrafo daquele discurso, o Papa diz num parágrafo o que ele quis com aquele documento:
Que todas as pessoas, não importa em que circunstâncias se encontrem, se sintam acolhidas pela Igreja e encorajadas pela Igreja a fazerem um caminho de amadurecimento, para que a sua vida corresponda cada vez mais ao desígnio de Deus. E que aquela bênção não é dada para casais específicos como casais, mas para as pessoas.
Veja só: no cristianismo primitivo, no tempo clássico do catecumenato, século III, IV, qualquer pessoa de qualquer profissão podia iniciar o catecumenato. Ela ia recebendo inclusive orações — exorcismos, que têm um sentido distinto do exorcismo da expulsão de possessão — é para, sim, abandonar o pecado, a presença do mal na própria vida, enquanto pecado, não enquanto possessão.
Recebia então orações, exorcismos e bênçãos. Significa que no cristianismo primitivo, muito provavelmente, pessoas em situações muito variadas receberam essas bênçãos. Elas passavam de etapa e vinham a ser batizadas quando tinham superado as coisas que eram incompatíveis com a fé. E enquanto não, elas permaneciam no catecumenato por um, dez, mais anos, até o fim da vida — como é o caso do imperador Constantino, por exemplo.
E era muito claro pros Padres da Igreja, pra Igreja como um todo, que o catecúmeno já é membro da Igreja, e podia participar da vida da Igreja segundo a disciplina da época — até o fim da liturgia da Palavra.
Então não me causa estranheza que a gente possa, de modo pastoral, privado, sem publicidade, sem fotografia — quem fica fazendo com publicidade, fotografia, já tem outras intenções — que a gente possa receber pessoas em segunda união, pessoas homoafetivas que estão convivendo e querem fazer um caminho cristão.
E nós vamos acolhê-las para ajudá-las. Claro que a meta sempre será a de que possam transformar aquele relacionamento numa amizade casta. Numa amizade casta. Essa é a meta. Até que não cheguem na meta, o que que a Igreja tem para eles? Misericórdia e acompanhamento — não condenação.
Só Deus pode condenar as pessoas por motivos morais.
Então veja: Victor Fernández — nem foi ele que quis esse documento propriamente, foi o Papa. Mas ele se tornou maculado para certos grupos por conta disso. Eu compreendo desse modo."
O mesmo foi afirmado explicitamente pelo papa em entrevista ao 60 minutes:
Entrevistadora: No ano passado, o senhor decidiu permitir que padres católicos abençoassem casais do mesmo sexo. Isso é uma grande mudança. Por quê?
Papa Francisco: Não, o que eu permiti não foi abençoar a união — isso não pode ser feito, porque isso não é um sacramento. Eu não posso — o Senhor quis assim. Mas abençoar cada pessoa — sim. A bênção é para todos. Para todos. Abençoar uma união de tipo homossexual, no entanto, vai contra a lei natural, contra a lei da Igreja. Mas abençoar cada pessoa — por que não? A bênção é para todos. Algumas pessoas ficaram escandalizadas com isso. Mas por quê? Todos, todos.
Além disso, ao contrário do que se diz o vídeo, o documento do Vaticano é uma resposta direta aos que os bispos alemães e belgas estavam fazendo, como relatado na seguinte matéria:
Uma boa síntese pode ser vista nesse vídeo:
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