Liberdade Religiosa: Como os Padres Conciliares entenderam?
O texto a seguir demonstra o entendimento dos padres conciliares no Segundo Concílio do Vaticano - ou seja, dos bispos e clérigos que participaram da elaboração e aprovação dos documentos do concílio - sobre a liberdade religiosa. As fontes primárias são as atas do concílio.
Créditos: SancteGregorio no X.
O que é a liberdade religiosa proclamada pelo Concílio Vaticano II? Os Padres conciliares respondem:
“Positivamente falando, a liberdade religiosa é o direito da pessoa humana ao exercício livre da religião, conforme os ditames de sua consciência. Negativamente falando, a liberdade religiosa é a imunidade contra qualquer coerção externa nas relações pessoais com Deus, que a consciência do indivíduo reivindica para si. A liberdade religiosa implica uma autonomia humana, não internamente, mas externamente. Internamente, o ser humano não está emancipado de suas obrigações em relação ao problema religioso”. (Atas do Concílio Vaticano II, v. 2, p. V, pág. 486)
Antes dessa definição, os Padres afirmaram:
“Quando se defende a liberdade religiosa, não se afirma que o ser humano tem o direito de considerar a questão religiosa conforme sua vontade e sem nenhuma obrigação moral, decidindo por si mesmo se deve ou não adotar uma religião (indiferentismo religioso); — nem se afirma que a consciência humana é livre no sentido de ser anárquica, ou seja, desvinculada de qualquer obrigação para com Deus (laicismo); — nem se diz que o falso deve ser tratado com o mesmo valor do verdadeiro, como se não houvesse uma norma objetiva de verdade (relativismo doutrinário); — nem se admite que o homem tenha o direito, de algum modo, de viver tranquilamente em incerteza (pessimismo dilettantista). Se alguém quisesse atribuir à expressão ‘liberdade religiosa’ um dos significados acima mencionados, estaria atribuindo ao nosso texto um sentido que nem as palavras nem a nossa intenção possuem.” (Atas do Concílio Vaticano II, ibid.)
Também devemos entender que a liberdade religiosa serve primeiramente para a proteção da Igreja, como afirmado pelos Padres:
“Na declaração conciliar [sobre a Liberdade Religiosa], deve-se ter em mente o bem de toda a Igreja… Embora digamos isso, não se deve concluir que este Sínodo admite a liberdade religiosa apenas para a utilidade da Igreja Católica.” (Atas do Concílio Vaticano II, v. 4, p. VI, pág. 721)
• Desde a formulação do esquema sobre a Liberdade Religiosa, os Padres já estavam preocupados sobre possíveis interpretações errôneas do texto que poderiam surgir futuramente:
"Alguns Padres temem que certas expressões sejam interpretadas como se estivesse sendo reconhecido o direito de espalhar falsidades, ou ao menos o indiferentismo religioso. Embora o texto já tenha provisionado suficientemente essa questão… A Comissão propõe que sejam aceitos alguns modos, por exemplo: na página 6, linhas 38–39: ‘formar prudentemente os julgamentos retos e verdadeiros da consciência’ ”. (Atas do Concílio Vaticano II, ibid.)
• Muitos, como Lefebvre, disseram que o Concílio estava propondo o direito de espalhar erros na sociedade, mas isso é verdade?
“Em nenhum lugar é afirmado, nem pode ser afirmado (o que é óbvio), que o direito de espalhar o erro seja concedido. A propagação do erro não é um justo exercício da lei, mas um abuso dela.” (Atas do Concílio Vaticano II, v. IV, p. VI, pág. 725)
“Relativamente a esta questão, é apresentado o princípio segundo o qual os direitos não podem basear-se ao mesmo tempo na verdade e no erro. Isto é bem verdade, se compreendermos que o direito não pode basear-se no erro, mas apenas na verdade.” (v. IV, p. I, pp. 189-190)
“Deve-se notar que o esboço da Declaração não indica que seja concedido o direito de espalhar erros religiosos na sociedade. Na verdade, tanto em si como especialmente no estado atual da questão, tal afirmação não teria sentido. Pois a Declaração preocupa-se exclusivamente com o direito do Estado de controlar coercivamente uma pessoa que testemunha publicamente as suas opiniões religiosas.” (Atas do Concílio Vaticano II, v. IV, p. I, pág. 190)
“Deve ser lembrado que o texto do esquema conciliar não reconhece o direito de ensinar publicamente falsas doutrinas, mas afirma o direito à imunidade contra a coerção.” (Atas do Concílio Vaticano II, v. IV, p. VI, pág. 744)
“Afirmar que a liberdade religiosa é um verdadeiro direito humano não significa de forma alguma que todas as religiões tenham a mesma ‘autoridade positiva’, recebida de Deus, para existir e se propagar. Esta ideia é excluída porque equivaleria ao pior indiferentismo religioso. Nem é afirmado que é permitido ao poder público (civil) conferir ‘autoridade positiva’ a todas as religiões, mesmo para que gozem de direitos iguais na sociedade. Isto também está excluído; porque traria à tona o pior dos Estados totalitários, característico do secularismo.” (Atas do Concílio Vaticano II, v. III, p. VIII, pág. 462)
• O Concílio ignorou o Syllabus?
Não, o Syllabus é citado diversas vezes:
“Também se condena essa liberdade de culto cujo princípio é o indiferentismo religioso (cf. Syllabus, proposição 15, ibid., p. 170).” (Atas do Concílio Vaticano II, v. 5, p. V, pág. 491)
“Por fim, condena-se essa separação entre Igreja e Estado, que teve sua raiz na concepção racionalista da competência jurídica universal do Estado (cf. Syllabus, proposição 39, ibid., p. 172), segundo a qual a própria Igreja deveria ser incorporada no organismo monístico do Estado e submetida à autoridade suprema do Estado.” (Atas do Concílio Vaticano II, ibid.)
“Um exemplo claríssimo encontra-se em Pio IX, na Encíclica Quanta cura, onde se lê: ‘A partir dessa completamente falsa ideia de regime social (isto é, do naturalismo), não hesitam em promover aquela opinião errônea, extremamente prejudicial à Igreja Católica e à salvação das almas, chamada de delírio pelo nosso predecessor de venerada memória, Gregório XVI, a saber, que a liberdade de consciência e de cultos é um direito próprio de todo ser humano, que deve ser proclamado e afirmado pela lei em qualquer sociedade corretamente constituída’ ”.
Os Padres citaram uma citação que aparentemente condena totalmente a Liberdade Religiosa proclamada pelo Concílio, mas há realmente uma contradição entre a liberdade e essa condenação?
Logo em seguida, os Padres afirmam:
“Como se pode ver, essa liberdade de consciência é condenada devido à ideologia pregada pelos defensores do racionalismo, fundamentada na ideia de que a consciência individual está acima de qualquer lei, não estando sujeita a normas divinamente estabelecidas (cf. Syllabus)”.
“Para que essas condenações sejam interpretadas com precisão, é necessário perceber nelas a constante doutrina da Igreja e sua preocupação com a verdadeira dignidade da pessoa humana e sua autêntica liberdade (regra de continuidade)”. (ibid., v. 2, p. V, pág. 491)
• A Liberdade Religiosa é incompatível com o Estado confessional?
“Se a questão for bem compreendida, a doutrina da liberdade religiosa não contradiz o conceito histórico do assim chamado Estado confessional. De fato, o regime da liberdade religiosa proíbe essa intolerância legal, segundo a qual certos cidadãos ou algumas comunidades religiosas seriam reduzidos a uma condição inferior em relação aos direitos civis em matéria religiosa. No entanto, não proíbe que a religião católica seja reconhecida pelo direito humano público como a religião comum dos cidadãos em uma determinada região, ou que a religião católica seja estabelecida pelo direito público como a religião do Estado. Nesse caso, contudo, deve-se evitar que as consequências, sejam jurídicas ou sociais, derivadas do estabelecimento da religião estatal, causem danos à igualdade de todos os cidadãos perante o direito público em matéria religiosa. Em uma palavra, juntamente com o regime de religião estatal, deve ser observada a regra da liberdade religiosa.” (Atas do Concílio Vaticano II, v. 3, p. VIII, pág. 463)
• Por que se afirmou “Liberdade Religiosa” ao invés de “Tolerância Religiosa”?
A resposta é simples: não havia necessidade.
Os Padres afirmaram:
“Contudo, na época, dizia-se apenas que eram ‘toleradas’. A razão era evidente. Naquele tempo, os regimes na Europa que proclamavam as liberdades modernas, incluindo a liberdade religiosa, ainda buscavam conscientemente sua inspiração na ideologia laicista. Assim, havia o perigo — percebido por Leão XIII — de que tais instituições civis e políticas, sendo informadas por uma intenção laicista, levassem a abusos que não poderiam deixar de ser prejudiciais à dignidade da pessoa humana e à sua liberdade genuína. O que estava no coração do Papa Leão XIII, de acordo com a regra da continuidade, está sempre no coração da Igreja: a proteção da pessoa humana.” (Atas do Concílio Vaticano II, v. 2, p. V, pág. 492)
Glória eterna ao santo Concílio!
Como ler corretamente o texto da Dignitatis Humanae? (Créditos: SancteGregorio no X)
Os Padres conciliares afirmam que devemos ter duas regras em mente, a regra da continuidade e a regra do progresso. Eles definem:
"Regra da continuidade: a própria doutrina e a preocupação da Igreja permanecem sempre consistentes e imutáveis.
Regra do progresso: o magistério eclesiástico adapta, expõe e defende a doutrina genuína de acordo com os erros que se espalham e as necessidades que surgem da evolução do ser humano e da sociedade. Por meio desse progresso, a Igreja é levada a explorar mais profundamente a doutrina e a compreendê-la de forma mais clara.
Essas duas regras, de continuidade e de progresso, devem sempre ser cuidadosamente consideradas ao se lerem e interpretarem os documentos da Sé Apostólica".
(Atas do Concílio, v. 2, p. V, pág. 490-401)
A Dignitatis Humanae condena indiretamente São Bento por ele ter destruído um bosque consagrado para o demônio e também Papa Pio XII por louvar esse ato? (Créditos: SancteGregorio no X)
A verdade é que esse ato não contradiz a Dignitatis Humanae 👇
"Nosso Sínodo pode contribuir muito para esclarecer essa delicada questão, se indicar com precisão o que deve ser o conteúdo dessa noção de "ordem pública", para que possa ser legitimamente usada como norma limitadora da liberdade religiosa. Nosso documento garante isso, afirmando que a ordem pública pode ser violada de três maneiras: seja pela violação dos direitos dos outros e de sua pacífica convivência, pela violação da paz pública, ou pela violação da moralidade pública." (Atas do Concílio Vaticano Volume 4, parte 6, página 722)
O ato de São Bento se enquadra no terceiro motivo.
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