Encíclica CUM PRIMUM de Gregório XVI: Da desobediência civil
Cum primum: "Tão logo que", subtitulada Da desobediência civil, é uma encíclica promulgada pelo Papa Gregório XVI em 9 de junho de 1832. O documento dirige-se ao episcopado do Reino da Polônia, e tem como tema central a condenação do Levante de Novembro: para o Pontífice, a revolução era digna de mais alta reprimenda, lembrando, também, aos católicos poloneses que as legítimas autoridades derivavam seu poder do próprio Deus, e não poderiam ser desobedecidas, a não ser que por suas ações violassem, ou fizessem violar, a lei de Deus. (Fonte)
A todos os Arcebispos e Bispos que residem no Reino da Polônia.
O Papa Gregório XVI.
Veneráveis Irmãos, saúde e Benção Apostólica.
Assim que chegou ao Nosso ouvido a notícia das dolorosíssimas desventuras que no ano recém-transcorrido assolaram este gloriosíssimo Reino, Nos pareceu imediatamente evidente que sua origem não deveria ser buscada em outro lugar, mas em alguns propagadores de engano e falsidade, os quais, com o pretexto da religião, erguendo-se neste Nosso miserando tempo contra o legítimo poder dos Príncipes, haviam preenchido de imenso luto sua pátria, já subtraída a todo vínculo de devida submissão.
Nós, prostrados diante de Deus Ótimo e Máximo, do qual, mesmo que indignamente, ocupamos o lugar na terra, após haver derramado copiosíssimas lágrimas, chorando as cruelíssimas desgraças das quais havia sido dilacerada esta parte do rebanho do Senhor confiada à Nossa pura e solícita fraqueza; após haver buscado com infinito amor, na humildade do Nosso coração, dobrar com orações, suspiros e gemidos o Pai das misericórdias, para poder ver estas vossas terras, devastadas por tão numerosas e cruéis discórdias, enfim pacificadas e reconduzidas à sujeição do legítimo poder: imediatamente Nos propusemos dirigir-vos, Veneráveis Irmãos, uma carta encíclica, para informar-vos que Nós também estamos sobrecarregados pelo peso das vossas calamidades e para trazer à vossa solicitude pastoral um pouco de conforto e de força que sirva como incitamento a defender os princípios mais justos a serem transbordados com cada vez mais ardente e renovado zelo no vosso amadíssimo clero e povo.
Pois Nos foi relatado que as Nossas cartas, devido às adversas circunstâncias da situação, nunca vos chegaram, agora que a situação, com a ajuda de Deus, foi reconduzida a uma serena tranquilidade, Nós abrimos novamente o coração a vós, Veneráveis Irmãos, para reviver cada vez mais, na medida do que Nos é possível no Senhor, o vosso zelo e a vossa solicitude, para que afasteis do vosso rebanho, com toda a força e com toda a diligência, a verdadeira causa dos males passados. Neste trabalho, deveis empenhar uma cuidadosa atenção e toda a prudência, e vigiar com todos os meios, para que homens desleais e propagadores de novidades não continuem a disseminar no vosso rebanho falsas teorias e errôneos princípios e, acampando o costumeiro pretexto do bem público, não se aproveitem da credulidade dos mais ingênuos e dos menos cautelosos, a ponto de fazer deles, sem que tenham a intenção, cegos executores e defensores na perturbação da paz do reino e da ordem da sociedade.
É necessário, portanto, fazer emergir, com um discurso claro, para a utilidade e o ensino dos fiéis, a fraude destes falsos mestres. A falácia dos seus pensamentos deve ser combatida em toda parte com as decisivas e inexpugnáveis máximas da Sagrada Escritura e com os incontáveis documentos da sagrada e venerável tradição da Igreja. Dessas fontes inatacáveis (das quais o clero católico deve extrair os princípios do seu estilo de vida e as palavras a serem transmitidas nos discursos ao povo) somos informados em letras claras que a obediência, devida pelos homens aos poderes instituídos por Deus, é um preceito do qual ninguém pode se eximir, a menos que se trate de disposições contrárias às leis de Deus e da Igreja.
«Toda pessoa (diz o Apóstolo) esteja sujeita às autoridades superiores. Não há, de fato, poder se não da parte de Deus: se existe, é porque é querido por Deus. Portanto, quem se opõe a isso, se levanta contra a ordem estabelecida por Deus... Seja, portanto, sempre sujeito, não apenas por medo das penas, mas também por coerência» (Rm 13,1-2). Da mesma forma, São Pedro (1Pd 2,13-14) ensina todos os fiéis a serem submissos a toda criatura em nome de Deus, seja ao rei, como aquele que prepondera, seja aos governantes, na medida em que são enviados por ele: porque (ele diz) esta é a vontade de Deus e, agindo corretamente, reduzireis ao silêncio a ignorância dos despreparados.
É sabido como os antigos cristãos, atendendo-se com escrúpulo a estes preceitos mesmo durante a fúria das perseguições, se tornaram beneméritos dos próprios Imperadores Romanos e da segurança do Império. Diz Santo Agostinho: «Os soldados cristãos serviram a um imperador incrédulo, mas quando se tratava do interesse de Cristo, não reconheciam outro Senhor senão aquele que habita nos céus. Distinguem, portanto, o Senhor eterno do temporal, e, no entanto, por causa do Senhor eterno, estavam submissos ao senhor temporal». Esta doutrina, como bem sabeis, Veneráveis Irmãos, foi constantemente transmitida pelos Santos Padres; sempre a ensinou e a ensina a Igreja Católica. Imbuídos destes princípios, os primeiros cristãos adotaram uma conduta de vida e de ação tal que preservou as legiões cristãs imunes dos crimes da covardia e da traição, mesmo quando o exército pagão estava infectado. A esse respeito, afirma Tertuliano: «Estamos acusados de atentarmos contra a majestade do Imperador, no entanto, nunca os cristãos puderam ser descobertos como Albinianos, Nigrianos ou Cassianos. Mas aqueles mesmos que até o dia anterior haviam jurado pelos Lares dos Imperadores e, para sua salvação, haviam feito promessas solenes e oferecido sacrifícios; aqueles mesmos que muitas vezes condenaram os cristãos, foram desmascarados como inimigos. O cristão não é inimigo de ninguém, e muito menos do Imperador: sabe, de fato, que ele foi constituído por seu Deus e deve amá-lo, respeitá-lo, honrá-lo e querer sua saúde».
Enquanto vos tornamos conhecidas estas coisas, Veneráveis Irmãos, queremos que vos cheguem, não como se fossem desconhecidas a vós ou que nutríssemos o temor de que não aguardais com suficiente zelo a defesa e a propagação dos princípios da correta doutrina sobre a obediência que os súditos são obrigados a prestar ao seu soberano legítimo. Estas Nossas palavras pretendem manifestar abertamente o Nosso ânimo em relação a vós, e quão forte é o desejo de que todos os eclesiásticos deste Reino, pela pureza da doutrina, pelo ornamento da prudência, pela santidade da vida, resplandeçam a ponto de se tornarem irrepreensíveis aos olhos e à opinião de todos. Deste modo, tudo, como está nos auspícios, responderá felizmente às expectativas.
O vosso potentíssimo soberano se comporta benevolamente em relação a vós e não deixará, em virtude dos Nossos bons ofícios, que não cessaremos de interpor em vosso favor, de acolher com ânimo sempre propício as vossas solicitações, para o bem da Religião católica que este Reino professa, e cuja defesa prometeu nunca deixar de lado. Os verdadeiros sábios vos tributarão merecidas louvores; por outro lado, os adversários se envergonharão por não ter nada de mau a dizer contra Nós.
No mesmo tempo, enquanto levantamos ao céu as Nossas mãos, suplicamos por vós a Deus, para que cada dia mais enriqueça e preencha cada um de vós com a abundância das virtudes celestes. Tendo-vos sempre no Nosso coração, exortamos-vos a completar a Nossa alegria cultivando com unidade de intentos a mesma caridade e nutrindo os mesmos sentimentos. Pregai todos o que é conforme à correta doutrina; guardai a palavra incorrupta e irrepreensível; comportai-vos unânimes em um só espírito, colaborando na fidelidade ao Evangelho.
Finalmente, pregai a Deus incessantemente por Nós que, em penhor de paterno afeto, impartimos a vós e ao rebanho confiado às vossas cuidados, com infinito amor, a Apostólica Benção.
Dado em Roma, junto de São Pedro, em 9 de junho de 1832, ano segundo do Nosso Pontificado.
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